Uma rápida espiada nos argumentos
da promotoria e da defesa sobre as cotas e é notável o grau de comprometimento
entre as partes, principalmente com a eloquência da defesa em relatar que as
cotas são na verdade o pagamento de uma pequena parcela da dívida que o Brasil tem com a
população negra. Durante a votação alguns indígenas foram expulsos à força do
tribunal porque exigiam que fossem incluídos dentro das cotas, afinal de contas
o Brasil não tem dívida com eles também? Mas isso é assunto para outra coluna,
o que me faz digitar nada mais é do que o assunto principal, as cotas e quem
paga a conta.
Voltando ao passado, quando
ocorreu a ocupação de Portugal ao até então desconhecido Brasil já havia
habitantes destas terras, os índios. Foram assim chamados porque, pelo que me
ensinaram na escola, os portugueses achavam que haviam chegado às índias. Depois
de notarem que não estavam nas índias, decidiram manter o erro e não deram novo
nome e este povo. Pra quê fazer isso, ninguém estava lá para se importar com
essa questão.
Depois vieram os negros,
escravos, muitos e muitos mortos nas galerias dos navios negreiros, tanto de
fome quanto de doenças. Doenças estas que não deveriam existir nas novas
terras, mas como ela estava sendo ocupada, nada mais justo, do que trazer toda
a bagagem da Europa para o novo continente. Muitos outros negros morreram tentando
encontrar a liberdade e, de uma forma ou de outra, encontraram.
Após a abolição da escravatura os
negros decidiram que não mais trabalhariam nas lavouras que tanto sofrimento trouxe
ao seu povo, assim sendo, os portugueses trouxeram os italianos, alemães, açorianos
e outros povos vieram de arrasto para o novo mundo. Detalhe, alguns destes
povos também sofreram no regime imperialista com o trabalho escravo. Não com
correntes, mas ficaram presos aos senhorios das fazendas com dívidas imensas e
sem poder recorrer a ninguém. Não me lembro de existirem embaixadas naquela
época e muito menos acordos bilaterais de comércio. Neste ponto o Brasil já
estava andando com as próprias pernas (dos outros).
Séculos de história mostram um
Brasil sanguinário, injusto com muitos povos, lutas desiguais, abusos de poder
e autoridade, escândalos políticos, revoltas... o que é justo no Brasil? Quais
são as verdadeiras dívidas do Brasil com os povos e com o seu povo? Não seria
na verdade de Portugal a dívida original com os negros e índios? Que tipo de dívida
será paga com o uso de cotas e
bolsa-tudo-que-puder-ser-dado-para-ganhar-as-eleições? E o mais importante,
quem está pagando as dívidas estas mencionadas? Quem é o Brasil!?
Eis a questão, ninguém está
pagando coisa alguma! Sério. Todos estão pagando impostos, todos são
assaltados, todos estão olhando o Jornal da Globo mostrando mais uma CPI que
possivelmente vai dar em nada, todos estão reclamando, todos menos um seleto
grupo de pessoas: os políticos de carreira. Todos os dias estão pagando dívidas
uns dos outros, mas não estas dívidas históricas que alegam ser nossa
responsabilidade. Essa dívida não existe, porque quem executou as ações
passadas já não está aqui para respondê-las. É como cobrar a conta de um morto
sem parentes e alegar que a culpa é do coveiro, porque foi o último a ter
contato com o falecido.
As tais cotas não passam de
placebo, pois o governo insiste em apagar chamas e ignora o foco do incêndio, o
falho sistema de ensino público. Quais os motivos dos alunos de escolas
públicas não conseguirem entrar na faculdade? São vários, nem vou citar, mas
uma coisa é certa, há alunos que conseguem. O que estes alunos fizeram de
diferente para conquistar essa vaga sem o uso de cotas? Dedicação,
comprometimento, foco. Acredito que estes que conseguem não estão pensando em
se tornar profissionais das passarelas ou jogadores de futebol, eles devem ter
um objetivo na vida. Pode ser esta a solução, direcionar as crianças, antes
mesmo da escola, para um objetivo de vida. Ensinar a respeitar os mais velhos
os professores e as leis. Muitos professores perdem a vontade de ensinar, ou
desistem e viram zumbis, porque não estão vendo os frutos do seu trabalho nas
suas turmas. Salário melhor, mais recursos, isso é importante, mas não só isso.
De que adianta uma Ferrari se vai andar nas estradas de chão do interior em dia
de chuva?
Não precisamos de cotas,
precisamos é ter um sistema de ensino público tão bom quanto das escolas
particulares. Precisamos que o povo tenha educação de qualidade dentro de casa,
que comece pelos pais. Precisamos olhar para o próprio rabo antes de sair
criticando o dos outros e deixar de ficar reclamando e começar a agir. Conforme
proferido por um dos ministros do STF as cotas são constitucionais, porém “não devem existir para sempre”. E o que
limita o para sempre? Somos nós.